quinta-feira, 29 de setembro de 2016

DESENHISTAS DE SONHOS


Conheça o trabalho do designer automobilístico, profissional responsável pela concepção e desenvolvimento de automóveis



Hoje, tira onda quem tem um Camaro. Na década de 1990, a Brasília amarela rumava para Santos, carregando os Mamonas Assassinas e todo o folclore construído em torno do citado carro com a música da banda. Antes disso, Roberto Carlos é quem buzinava um calhambeque com seu broto no banco ao lado. Essa pequena viagem histórica por nossa música é uma mostra de como o carro sempre compôs o imaginário popular do brasileiro. Símbolo de status para uns, e até um estilo de vida para outros, o automóvel é, sem dúvida, um objeto de desejo.



Engana-se quem pensa que a ideia que impulsiona a caneta do designer automotivo pelo papel, durante a concepção de um automóvel, é puramente a de fazer do sketch desenhado o projeto de um carro agradável apenas aos olhos. O trabalho desse profissional deve aliar itens como segurança e conforto, hoje tão importantes para a escolha do consumidor quanto o próprio apelo visual do automóvel.

Além disso, nos dias atuais, a sustentabilidade também se faz presente na concepção dos carros, seja no que diz respeito ao material, seja na questão do combustível a ser utilizado. O design de automóveis tenta atender aos anseios do consumidor, adaptando isso às condições fabris de produção e buscando fazer do modelo projetado algo mais viá vel do ponto de vista econômico, ecológico e de logística.
Paulo Eduardo, ex-aluno do curso de extensão em Design
Automobilístico e de Transportes da FUMEC.


O trabalho do designer, durante a concepção de um projeto, também deve levar em conta o gestalt da marca, ou seja, as características que determinada montadora costuma atribuir a seus automóveis. Trata-se do DNA que a empresa confere a seus projetos com o objetivo de posicioná-la e diferenciá-la dos concorrentes no mercado.

Após consolidado o conceito do automóvel a ser criado, a ideia ganha forma através dos modeladores digitais, em 3D, que oferecem mais detalhes do carro que está sendo desenvolvido. Passada essa etapa, entra em cena o Clay, modelador que possui uma textura parecida com a de argila, para se projetar o automóvel em modelos de vários tamanhos que mostram os detalhes do projeto. A princípio, pode parecer que esse é um processo rápido, mas a criação de um carro, desde o momento em que começa a ser pensado até a sua finalização, gira em torno de dois a três anos.



Design automobilístico na FUMEC


A área do design automobilístico ainda é muito pouco explorada no Brasil. Visando contribuir para a mudança desse panorama, a Universidade FUMEC criou, há 11 anos, o curso de extensão em Design Automobilístico e de Transportes, um dos primeiros no Brasil. Professor do curso na Universidade, Luiz Severiano Dutra diz que o País demorou a atentar para a importância de formar profissionais nessa área devido a uma série de deficiências educacionais e tecnológicas.

André Guimarães, ex-aluno do curso de Design de Produtos da
FUMEC, vencedor de uma das edições do prêmio
Quatro-Rodas/Fiat.
“Importamos muita tecnologia e temos um grande déficit no que diz respeito a nossa capacidade de produção nesse campo. O Brasil é um País extrativista desde o seu descobrimento e colonização, e esse processo continua até hoje como um padrão cultural”, conta Dutra, dizendo acreditar que esse é um cenário que, felizmente, começa a se transformar. “Mudar o padrão cultural de uma nação é um processo lento, mas está começando a haver uma melhora na questão tecnológica brasileira. Somos um País que sempre forneceu de tudo para todo mundo sem um retorno real disso.”

Para o professor, a criação de cursos dessa natureza no Brasil é importante e traz vários benefícios, principalmente no que diz respeito à adequação dos produtos à cultura local. Segundo ele, ter profissionais dessa área faz com que o Brasil passe a criar tecnologia e ser um vendedor, ao invés de importador. “Se os designers conseguem introduzir o produto de acordo com a cultura local, fica mais fácil vendê-lo e fazer a adaptação. Quanto mais o País for capaz de produzir suas próprias necessidades, que cada vez são mais complexas em termos de tecnologia, será mais poderoso em todos os sentidos.”


O professor defende a importância de o design ter o suporte de outras áreas do conhecimento, como a engenharia, por exemplo. Em sua opinião, os cursos no Brasil, de forma geral, formam profissionais para serem apenas seguidores de projetos, não tendo por hábito trabalhar questões como inovação e ergonomia ou o lado humanista de qualquer projeto a ser desenvolvido.

Ele diz que o curso de Design Automobilístico na FUMEC tem por objetivo incentivar a atuação de diversas áreas do conhecimento em um mesmo projeto e que, no caso específico do curso, isso poderia trazer benefícios valorosos para a geração de conhecimento e, consequentemente, para a economia brasileira. “Esse casamento poderia gerar novos materiais e a adequação de velhos. É possível trabalhar a aerodinâmica, por exemplo, voltada para a questão da economia de combustível. O design pode contribuir na escolha de materiais e na otimização do trabalho. Isso pode trazer um resultado positivo de economia global para o País.”

Imagem cedida pelo ex-aluno André Guimarães


Tecnologia made in Brasil


A criação do curso de Design Automobilístico pela FUMEC é importante para a formação de profissionais capacitados a atuar na área. Hoje, além desses profissionais, o Brasil produz também conhecimento relacionado à área do design automobilístico. Desde 2003, conta com o Centro de Pesquisa & Desenvolvimento Giovanni Agnelli. O local, que pertence à Fiat, está localizado em Betim/MG e possui toda a tecnologia necessária para projetar integralmente um veículo no Brasil.

O Centro de Pesquisa contempla todas as áreas específicas de desenvolvimento de um automóvel, inclusive o Design Center, única área de concepção de  design da Fiat na América Latina, que trabalha em conjunto com os outros centros de design do Grupo Fiat Chrysler na Europa e nos Estados Unidos. O time do Design Center conta com todas as especializações necessárias para a criação dos automóveis da marca.

Para Paulo Nakamura, responsável pelo Design Center, ter no Brasil um local com tamanha capacidade para geração de conhecimento é algo de suma importância para o desenvolvimento do País e também para que sejam pensados e criados produtos que carregam em si características mais adaptadas à realidade brasileira. “Do ponto de vista econômico e do desenvolvimento de tecnologias, possuir um centro de desenvolvimento como este no Brasil é crucial. Um estúdio de design trabalhando localmente possibilita um tempo menor de respostas e uma percepção mais apurada das demandas daquele mercado específico, além de proporcionar um desenvolvimento de designers e know-how local”, conta.

Léo Lara / Fiat Automóveis
Para ele, existe no Brasil hoje uma relação de inversa proporção no que diz respeito à demanda por profissionais na área de design automobilístico e o número de escolas voltadas para esse tipo de formação. Contudo, Nakamura diz que esse é um panorama que tende a mudar, já que iniciativas voltadas para corrigir essa deficiência começam a ser tomadas.

“Existem algumas pós-graduações que oferecem cursos na área, mas, de forma geral, podemos classificar como autodidatas os designers de automóveis no Brasil. Com a chegada de novas montadoras, o crescimento da importância mundial do Brasil e programas como o Inovar-Auto, do Governo Federal, que prevê incentivos fiscais para as empresas que estimularem e investirem na inovação e em pesquisa e desenvolvimento dentro do Brasil, com certeza, o mercado para designers automobilísticos irá crescer nos próximos anos.”

Nakamura corrobora o pensamento do professor Dutra ao dizer que é importante para o designer ter uma formação que dialoga com outras áreas do conhecimento. Para ele, isso contribuiria para outra importante função do profissional, que é a de pensar em novas tendências. “O trabalho do design automobilístico deve ser também propor novas ideias e tendências ao invés de apenas assimilar as já existentes. Por meio de pesquisas e observações de movimentos culturais/sociais, artes, moda, novas tecnologias etc., o designer cria conceitos, processos, produtos, componentes que podem virar tendências e ser referência para outros desenvolvimentos.”


Ele encerra, dizendo que é importante que o designer automobilístico hoje seja formado de acordo com esses preceitos e elenca a metodologia do design thinking como algo valoroso a ser levado em conta pelos cursos da área para a formação dos futuros profissionais. Trata-se de um método que prioriza a abordagem sistêmica, visando possibilitar a criação de soluções inovadoras para o desenvolvimento dos projetos.

Com as mais avançadas tecnologias à disposição, o Design Center da Fiat
em Betim/MG, conta com uma das mais modernas salas virtuais do Brasil
dedicadas à visualização de protótipos em duas ou três dimensões.
“Na prática, podemos dizer que, no design de um automóvel, o resultado não é somente o produto em si, mas o conjunto de soluções que envolvem da pesquisa à criação, do projeto à comercialização, até mudanças de conceito de um produto ou de um negócio. O design thinking busca soluções/propostas por vários ângulos e diversas perspectivas, priorizando o trabalho colaborativo e multidisciplinar. É desafio e, quando falamos de automóveis e de sua história, a palavra desafio fica indelevelmente ligada à palavra design.”


Publicado por:
FEA ReVISTA, 11ª Edição, p. 8-13, 2014.